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sexta-feira, 8 de março de 2013

ENTREVISTA

http://www.youtube.com/watch?v=otpFfklOjIg

JORNAL - DONO DA BOLA 09/09/2013
ENTREVISTA COM O ESCRITOR MARCELO ARATUM
JORNALISTA, JOELA ALVES



JOELA ALVES - Quando você começou a escrever?  Em que momento decidiu ser escritor?

ESCRITOR - Em primeiro lugar, agradeço à entrevista. Na realidade, comecei a escrever a minha primeira obra literária, aqui no Brasil, quando eu era estudante universitário. Publicar as obras literárias sempre era sonho meu. Há muito tempo, ou seja, desde Guiné-Bissau, tive essa euforia de ser escritor.

 JA - O que mais lhe inspira a escrever?

ESCRITOR - Pois é, Joela. A inspiração minha brotou e continua brotando no fundo do coração da sociedade guineense e da hipocrisia dos homens fabricados, aqueles que agem de acordo com a vontade do outrem. Esses homens aparecem indiretamente no decorrer das minhas obras, principalmente, nesta última As Lágrimas de uma Mulher: os culpados. É do seu conhecimento que o livro literário é um instrumento que conecta o passado de um povo civilizado às novas gerações. Nele fica sempre guardado todos os aparatos sociais: vistimentas,  culinárias, dança, canção, religiosidade, conflitos, assim por diante. Tudo isso me fascina, a ponto de tomar as iniciativas para mostrar o amanhã como era ontem.

JA - Quais são suas referências literárias? Que autores influenciaram em sua formação como escritor?

ESCRITOR - As obras literárias brasileiras em geral participam ativamente na minha formação como escritor. A linguagem e o jeito de narrar o acontecimento pelos escritores brasileiros são maravilhosos, gostosos, digo assim. Lendo os livros desses escritores, imaginariamente pensando que o passado longínquo é trazido ao presente. Fiquei ainda mais eufórico quando encontrei, na universidade, o livro “Triste Fim do Policarpo Quaresma,” de Lima Barreto. Esse livro é a referência minha, por ter uma ligação direta com a nação e o povo brasileiro.

JA - Fale um pouco sobre o seu livro “ Noite das Lágrimas em África”. Que mensagem você quer transmitir para as pessoas através de sua obra?

ESCRITOR - Alves, muito obrigado pela oportunidade. O escritor, já que não possui o pincel como os artistas plásticos,  para mostrar a essência da realidade social, cultural, religiosa, recorre as palavras para desenhar tudo que vivenciou. Foi o que aconteceu neste livro: Noite das Lágrimas em África, a minha primeira obra literária. Ela é dividida em três momentos: Primeiro Julgamento, Segundo Julgamento e Julgamento Final. Lembrando que antes desses julgamentos, vem Momentos de Lembrança e de Reflexão. Esse último desenha a constituição social de maneira geral. Primeiro Julgamento narra uma Guiné-Bissau recém-independente. Narra como era o pensamento da sociedade, político, militar, jurídico assim por diante. Já no Segundo Julgamento fala sobre a expectativa falaciosa construída na mente da sociedade. E, por último, Julgamento Final, ou seja, o fim sanguinário da expectativa em todo domínio. Só que, Noite das lágrimas em África desenha a realidade guineense no tempo e, no segundo livro As Lágrimas de uma Mulher: os culpados explica profundamente as razões e, depois mostra as soluções.

JA - Como é ser escritor estrangeiro no Brasil?

ESCRITOR - Você falou tudo, Joela, escritor estrangeiro. Estrangeiro em qualquer parte do mundo nunca tem nem terá o mesmo valor com os nativos, a não ser pela ilusão. O brasileiro é muito nacionalista, pensamento positivo, valorizam mais as obras escritas pelos autores brasileiros. Óbvio, foram instruídos para tal desde infância, nas escolas. Esse é um dos motivos. O outro é que, aqui no Brasil, a sociedade está bem distante dos valores africanos, principalmente, das obras literárias africanas. Não é por acaso que é obrigado pela lei, estudar, nas escolas brasileiras, as obras literárias africanas. Mas, fico muito feliz de que os meus livros foram bem recebidos pelas classes intelectuais brasileiras. Porque na maioria das universidades, pode encontrá-los. Os livros, no caso.
      
JA - Que dificuldades você enfrentou para conseguir publicar o seu trabalho, teve apoio de alguma instituição?

ESCRITOR - A dificuldade sempre existe na vida e, ela é vencida pela sagaciosa luta e persistência. Você conviveu comigo aqui no Brasil e sabe muito bem que eu não sou de chorar perante as dificuldades, mas, sim, procuro sempre as alternativas a qualquer empecilho. Assim sendo, depois de terminar o meu primeiro livro, corri atrás, à procura dos patrocínios e acabei de achá-los no governo. Apresentei o projeto ao governo brasileiro e foi aprovado, concomitantemente patrocinou a minha obra. Resumindo, os dois livros meus foram patrocinados pelo governo brasileiro. Na verdade, não apenas os meus livros. O governo brasileiro tem um projeto, para o qual destina todos os anos o dinheiro. O nome do projeto é “Lei de Incentivo à Cultura.”

JA - Tem vendido muito o seu livro?

Como eu gostaria, não. Mas está saindo em conta gotas, segundo o dito popular. O obstáculo disso é a pouca divulgação. Sozinho, sem nenhum apoio a respeito. Porém, persisti na luta, divulgando pela Internet, sobretudo, no meu BLOGGER: 

JA - O livro só pode ser encontrado no território brasileiro


ESCRITOR - Como falei acima, falta de meios e apoio para levá-los bem distante, para que os outros povos conheçam de perto os nossos valores culturais; pois é, para que os de longe saibam que na Guiné-Bissau não existem apenas os briguentos, mas, mostrá-los que lá, na Guiné, existem também os intelectuais. Ainda mais, através do blog mencionado acima, consegui vender um deles, em Portugal, para um português de nome Joaquim Bessa, para seu doutorado em literatura africana. 
   
JA - Que dica você daria para as pessoas que estão iniciando carreira como escritor?

ESCRITOR - Ser escritor não é nada de outro mundo. Simplesmente é só ter coragem. Ser corajoso não é sinônimo de enfrentar o outro corporalmente, e, sim, é tomar as iniciativas sem esperar que o outro tome para depois seguir. Você que pretende escrever, escreva! Não deve ter medo de crítica. A crítica é bem vinda para quem faz, para quem age, isto é, quem não faz praticamente nada, não tem como ser criticado. Então, tenha orgulho da crítica, porque você merece. Caso contrário não a receberia.

JA - Quais as melhorias que você citaria para o mercado literário na Guiné?

ESCRITOR - Para o escritor, não existe a melhor obra. Cada obra carrega em si uma determinada realidade, uma determinada cultura, um determinado estilo, para tanto, o leitor que vai avaliar a obra, com a qual se identifica. Portanto, todos merecem as prateleiras das livrarias guineenses.

JA - Você acredita que ter livros escritos é uma boa estratégia para sua divulgação junto aos clientes? De que forma?

ESCRITOR - O termo cliente me deixa um pouco inquieto. Até posso considerar o livro como um produto, já que é produzido por alguém e vendido. Mas ele está além de um simples produto: é o valor de um povo. A boa estratégia de divulgação junto aos clientes, acho que não. O livro anda por si só, quando é conhecido por grande público.

JA - Já estás a preparar outro trabalho?

ESCRITOR - Por enquanto, não. Estou com outros projetos. Mas, escrever livros sempre vai fazer parte da minha trajetória. Sempre falo, o “mundo” contou suas histórias e nós, também temos que contar as nossas. Não devemos deixar que os outros vêm para contar as nossas histórias. Somos capazes para tal.

aratum22@yahoo.com.br



AS LÁGRIMAS DE UMA MULHER: OS CULPADOS.


           Inicio com uma recomendação: para ler esta segunda obra do escritor Marcelo Aratum é preciso substituir as imagens simplistas e unilaterais por uma representação complexa e múltipla.
     As realidades expressam-se em discursos diferentes, às vezes inconciliáveis, por isso precisamos abandonar as visões dicotômicas, do exagerado pessimismo, do ponto de vista central e único.
      O livro não fala de uma realidade, de um local específico, ele se ajusta as diversas realidades de países africanos, mas também de países das Américas. A obra está repleta de lugares simbólicos, que são ocupados de forma consciente, ou seja, por falta de experiências de jovens de diversos continentes.
  Todos vivem em um mundo hierarquizado, com poucas oportunidades e que as chances de sobrevivência estão diretamente relacionadas com a democracia e o respeito aos direitos humanos.
    “As lágrimas de uma mulher: os culpados” leva ao leitor a se perguntar, as questões colocadas são uma exigência de todos que sonham com um futuro promissor, sendo preciso mergulhar nas entranhas do inferno e identificar todos os medos e dúvidas em relação ao futuro.
   Não se trata de ser pessimista em relação ao presente, mas de saber que nos problemas colocados estão incluídos caminhos e respostas.
É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.
    Está sempre presente na obra a advertência ao leitor para não confundir pessimismo com o negativismo, pois o pessimista é crítico, irônico e perspicaz.
    Veja o trecho da obra de Aratum “Ora bem, a mudança está dentro de você. Primeiro você deve se mudar para depois ter a condição de mudar a Guiné Bissau. Nenhuma mudança acontece do lado externo, e nunca se ergue sem a luta. Todas as nações, cheias de luzes, ambientes saudáveis à vida também nascem historicamente por intermédio de uma luta bem inteligente.”.
     Marcelo Aratum engana quando é lido como realista, assim como engana quando é lido como conservador e até mesmo reacionário. Sua ironia, propriamente cética, complica sua recepção, uma vez que dificulta classificá-lo com qualquer rótulo estético ou ideológico – exatamente por isto, é a sua ironia e o seu ceticismo, juntamente com sua ironia e seu pessimismo combinados, que configuram a sua qualidade e o seu poder.
   A atividade de criação literária nutre-se essencialmente da imaginação, ficção e estilo. Através delas, são construídos, de forma arbitrária, seres irreais e, pelo encadeamento de situações fantasiosas, mundos ilusórios.
    No gesto de criação da obra, Aratum se coloca por inteiro, investe inteligência, desesperança, memória, sua visão de mundo e ainda as instâncias psíquicas fora do controle da razão. Entretanto, é pelo primado da imaginação e pela habilidade em exercitá-la artisticamente, através do jogo com as palavras e técnicas de estilo, que este escritor se destaca dos demais.
      Passando boa parte da existência mergulhada em uma esfera de intensos conflitos internos  e na invenção de mundos, ele acaba sendo visto no panorama social, como um ser diferente.
    Provavelmente daí teve origem as diferentes associações entre loucura e literatura. Tudo gravita em torno da imaginação e da capacidade do homem de crer nas imagens que cria, traduzindo-as em forma artística.
      Mas, se por um lado a imaginação aproxima loucura e literatura, a maneira de lidar com ela dissocia os dois fenômenos.
  Enquanto o louco apodera-se das fantasias criadas por sua imaginação e age em consonância com a lógica desse universo irreal que ele crê verdadeiro, o escritor constrói seres e mundos ficcionais, aos quais também se abandona, alienando-se, momentaneamente, da realidade circundante.
       Essa necessidade de crer no universo construído e guiar-se pelas regras de uma lógica ficcional é que imprime à criação a condição da verossimilhança.
         Assim, o momento da criação pode ser considerado um estado de delírio. A louca no texto se traduz neste estado como uma mãe a quem recorremos nos momentos especiais de mudança na vida, mas é chamada de louca e que grita de olhos fechados.
    De qual democracia falamos hoje em nosso quotidiano: da democracia da eleição, a vivida ou a sonhada. O mais importante é ler esse trabalho e que ele permaneça como uma referência obrigatória de todos os homens e mulheres que sonham por uma vida melhor. Apontar falha das autoridades, acusar os políticos pelos fracassos, ouvimos isso diariamente pela mídia. Mas como se constrói a democracia?  Professores e loucos seriam os responsáveis, os únicos pela educação democrática, pelo fortalecimento das instituições, pelo respeito às leis?
    A mudança para o respeito às instituições e uma cultura democrática está ligada a mudanças interiores, a uma libertação, uma descolonização tão profunda, que só em pleno delírio se pode responsabilizar os professores por uma mudança tão radical.
      Os desafios do século XXI impõem ousadias, criatividade e muita liberdade, que permitem a sociedades buscarem seus caminhos.
        Se para a democracia dependermos do uso da força estaremos derrotados e distantes, o que vai, ou seja, pode causar a lamentação.
     A busca pela liberdade e pela descolonização nos remete a buscar modelos que a Europa todos os dias nos envia por meio do seu noticiário de crises. Se a Europa pode pouco nos apresentar como referencial, o autor identifica na loucura a semelhança entre os continentes  na história de violência.
      Buscar as raízes dos direitos humanos no pensamento ocidental e transpô-lo mecanicamente para realidades de jovens nações leva, ao mesmo, ao questionamento da violação dos direitos na periferia das grandes metrópoles. Direitos humanos podem ser lidos como princípios a serem perseguidos por todas as sociedades. Ratificar tratados é um caminho, mas a educação pelos direitos humanos é um trabalho permanente dos educadores e da população.
     Não se pode avançar no debate sobre direitos se continuar, de forma acrítica, o comportamento de sociedade fechada aos loucos, oprimidos e sonhadores. 
       A questão da língua está muito bem colocada pelo autor:
Um povo que conhece e domina bem a sua língua, naturalmente vai lhe proporcionar a grande vantagem a descobrir, conhecer e dominar também o mundo. Guineense é a nossa língua da unidade nacional, de tal forma, deve ser respeitada, estruturada, preservada, prestigiada, assim por diante”.
     A você, leitor, esta obra é uma contribuição importante para entender como os jovens intelectuais africanos estão refletindo e projetando o futuro de suas nações.

Professor Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos
Coordenador do Centro de Convivência Negra da UnB

aratum22@yahoo.com.br

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