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JORNAL - DONO DA BOLA 09/09/2013
JORNAL - DONO DA BOLA 09/09/2013
ENTREVISTA COM O ESCRITOR MARCELO ARATUM
JORNALISTA, JOELA ALVES
JOELA ALVES - Quando você começou a escrever? Em que momento decidiu ser escritor?
ESCRITOR - Em primeiro lugar, agradeço à
entrevista. Na realidade, comecei a escrever a minha primeira obra literária,
aqui no Brasil, quando eu era estudante universitário. Publicar as obras
literárias sempre era sonho meu. Há muito tempo, ou seja, desde Guiné-Bissau,
tive essa euforia de ser escritor.
JA - O que
mais lhe inspira a escrever?
ESCRITOR - Pois é, Joela. A inspiração minha brotou
e continua brotando no fundo do coração da sociedade guineense e da hipocrisia
dos homens fabricados, aqueles que agem de acordo com a vontade do outrem. Esses
homens aparecem indiretamente no decorrer das minhas obras, principalmente,
nesta última As Lágrimas de uma Mulher:
os culpados. É do seu conhecimento que o livro literário é um instrumento
que conecta o passado de um povo civilizado às novas gerações. Nele fica sempre
guardado todos os aparatos sociais: vistimentas, culinárias, dança, canção, religiosidade,
conflitos, assim por diante. Tudo isso me fascina, a ponto de tomar as
iniciativas para mostrar o amanhã como era ontem.
JA - Quais são suas referências literárias?
Que autores influenciaram em sua formação como escritor?
ESCRITOR - As obras literárias brasileiras em geral
participam ativamente na minha formação como escritor. A linguagem e o jeito de
narrar o acontecimento pelos escritores brasileiros são maravilhosos, gostosos,
digo assim. Lendo os livros desses escritores, imaginariamente pensando que o
passado longínquo é trazido ao presente. Fiquei ainda mais eufórico quando
encontrei, na universidade, o livro “Triste
Fim do Policarpo Quaresma,” de Lima
Barreto. Esse livro é a referência minha, por ter uma ligação direta com a
nação e o povo brasileiro.
JA - Fale um pouco sobre o seu livro “ Noite
das Lágrimas em África”. Que mensagem você quer transmitir para as pessoas
através de sua obra?
ESCRITOR - Alves, muito obrigado pela oportunidade.
O escritor, já que não possui o pincel como os artistas plásticos, para mostrar a essência da realidade social,
cultural, religiosa, recorre as palavras para desenhar tudo que vivenciou. Foi
o que aconteceu neste livro: Noite das
Lágrimas em África, a minha primeira obra literária. Ela é dividida em três
momentos: Primeiro Julgamento, Segundo
Julgamento e Julgamento Final. Lembrando que antes desses julgamentos, vem Momentos de Lembrança e de Reflexão. Esse
último desenha a constituição social de maneira geral. Primeiro Julgamento narra uma Guiné-Bissau recém-independente.
Narra como era o pensamento da sociedade, político, militar, jurídico assim por
diante. Já no Segundo Julgamento fala
sobre a expectativa falaciosa construída na mente da sociedade. E, por último, Julgamento Final, ou seja, o fim sanguinário
da expectativa em todo domínio. Só que, Noite das lágrimas em África desenha a
realidade guineense no tempo e, no segundo livro As Lágrimas de uma Mulher: os culpados explica profundamente as
razões e, depois mostra as soluções.
JA - Como é ser escritor estrangeiro no Brasil?
ESCRITOR - Você falou tudo, Joela, escritor estrangeiro.
Estrangeiro em qualquer parte do mundo nunca tem nem terá o mesmo valor com os
nativos, a não ser pela ilusão. O brasileiro é muito nacionalista, pensamento positivo,
valorizam mais as obras escritas pelos autores brasileiros. Óbvio, foram
instruídos para tal desde infância, nas escolas. Esse é um dos motivos. O outro
é que, aqui no Brasil, a sociedade está bem distante dos valores africanos,
principalmente, das obras literárias africanas. Não é por acaso que é obrigado
pela lei, estudar, nas escolas brasileiras, as obras literárias africanas. Mas,
fico muito feliz de que os meus livros foram bem recebidos pelas classes
intelectuais brasileiras. Porque na maioria das universidades, pode
encontrá-los. Os livros, no caso.
JA - Que dificuldades você enfrentou para conseguir
publicar o seu trabalho, teve apoio de alguma instituição?
ESCRITOR - A dificuldade sempre existe na vida e, ela é vencida
pela sagaciosa luta e persistência. Você conviveu comigo aqui no Brasil e sabe muito bem que eu não sou de chorar perante as dificuldades, mas, sim, procuro
sempre as alternativas a qualquer empecilho. Assim sendo, depois de terminar o
meu primeiro livro, corri atrás, à procura dos patrocínios e acabei de achá-los
no governo. Apresentei o projeto ao governo brasileiro e foi aprovado,
concomitantemente patrocinou a minha obra. Resumindo, os dois livros meus foram
patrocinados pelo governo brasileiro. Na verdade, não apenas os meus livros. O
governo brasileiro tem um projeto, para o qual destina todos os anos o dinheiro.
O nome do projeto é “Lei de Incentivo à Cultura.”
JA - Tem vendido muito o seu livro?
Como eu gostaria, não. Mas está saindo em conta
gotas, segundo o dito popular. O obstáculo
disso é a pouca divulgação. Sozinho, sem nenhum apoio a respeito. Porém,
persisti na luta, divulgando pela Internet, sobretudo, no meu BLOGGER:
JA - O livro só pode ser encontrado no território
brasileiro
ESCRITOR - Como falei acima, falta de meios e apoio para
levá-los bem distante, para que os outros povos conheçam de perto os nossos
valores culturais; pois é, para que os de longe saibam que na Guiné-Bissau não
existem apenas os briguentos, mas, mostrá-los que lá, na Guiné, existem também
os intelectuais. Ainda mais, através do blog mencionado acima, consegui vender
um deles, em Portugal, para um português de nome Joaquim Bessa, para seu doutorado
em literatura africana.
JA - Que dica
você daria para as pessoas que estão iniciando carreira como escritor?
ESCRITOR - Ser escritor não é nada de outro mundo.
Simplesmente é só ter coragem. Ser corajoso não é sinônimo de enfrentar o outro
corporalmente, e, sim, é tomar as iniciativas sem esperar que o outro tome para
depois seguir. Você que pretende escrever, escreva! Não deve ter medo de
crítica. A crítica é bem vinda para quem faz, para quem age, isto é, quem não
faz praticamente nada, não tem como ser criticado. Então, tenha orgulho da
crítica, porque você merece. Caso contrário não a receberia.
JA - Quais as
melhorias que você citaria para o mercado literário na Guiné?
ESCRITOR - Para o escritor, não existe a melhor obra. Cada
obra carrega em si uma determinada realidade, uma determinada cultura, um
determinado estilo, para tanto, o leitor que vai avaliar a obra, com a qual se
identifica. Portanto, todos merecem as prateleiras das livrarias guineenses.
JA - Você acredita
que ter livros escritos é uma boa estratégia para sua divulgação junto aos
clientes? De que forma?
ESCRITOR - O termo cliente me deixa um pouco inquieto. Até posso
considerar o livro como um produto, já que é produzido por alguém e vendido.
Mas ele está além de um simples produto: é o valor de um povo. A boa estratégia
de divulgação junto aos clientes, acho que não. O livro anda por si só, quando
é conhecido por grande público.
JA - Já estás a preparar
outro trabalho?
ESCRITOR - Por enquanto, não. Estou com outros projetos. Mas, escrever
livros sempre vai fazer parte da minha trajetória. Sempre falo, o “mundo”
contou suas histórias e nós, também temos que contar as nossas. Não devemos
deixar que os outros vêm para contar as nossas histórias. Somos capazes para
tal.
AS LÁGRIMAS DE UMA MULHER: OS CULPADOS.
Inicio com uma recomendação: para
ler esta segunda obra do escritor Marcelo Aratum é preciso substituir as imagens
simplistas e unilaterais por uma representação complexa e múltipla.
As realidades expressam-se em
discursos diferentes, às vezes inconciliáveis, por isso precisamos abandonar as
visões dicotômicas, do exagerado pessimismo, do ponto de vista central e único.
O livro não fala de uma
realidade, de um local específico, ele se ajusta as diversas realidades de
países africanos, mas também de países das Américas. A obra está repleta de
lugares simbólicos, que são ocupados de forma consciente, ou seja, por falta de
experiências de jovens de diversos continentes.
Todos vivem em um mundo
hierarquizado, com poucas oportunidades e que as chances de sobrevivência estão
diretamente relacionadas com a democracia e o respeito aos direitos humanos.
“As lágrimas de uma mulher: os
culpados” leva ao leitor a se perguntar, as questões colocadas são uma
exigência de todos que sonham com um futuro promissor, sendo preciso mergulhar
nas entranhas do inferno e identificar todos os medos e dúvidas em relação ao
futuro.
Não se trata de ser pessimista em
relação ao presente, mas de saber que nos problemas colocados estão incluídos
caminhos e respostas.
“É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como
ele é se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.”
Está sempre presente na obra a
advertência ao leitor para não confundir pessimismo com o negativismo, pois o
pessimista é crítico, irônico e perspicaz.
Veja o trecho da obra de Aratum “Ora bem, a mudança está dentro de você.
Primeiro você deve se mudar para depois ter a condição de mudar a Guiné Bissau.
Nenhuma mudança acontece do lado externo, e nunca se ergue sem a luta. Todas as
nações, cheias de luzes, ambientes saudáveis à vida também nascem historicamente por intermédio de uma luta bem
inteligente.”.
Marcelo Aratum engana quando é
lido como realista, assim como engana quando é lido como conservador e até
mesmo reacionário. Sua ironia, propriamente cética, complica sua recepção, uma
vez que dificulta classificá-lo com qualquer rótulo estético ou ideológico –
exatamente por isto, é a sua ironia e o seu ceticismo, juntamente com sua ironia
e seu pessimismo combinados, que configuram a sua qualidade e o seu poder.
A atividade de criação literária
nutre-se essencialmente da imaginação, ficção e estilo. Através delas, são
construídos, de forma arbitrária, seres irreais e, pelo encadeamento de
situações fantasiosas, mundos ilusórios.
No gesto de criação da obra, Aratum se coloca por inteiro, investe inteligência, desesperança, memória, sua
visão de mundo e ainda as instâncias psíquicas fora do controle da razão.
Entretanto, é pelo primado da imaginação e pela habilidade em exercitá-la
artisticamente, através do jogo com as palavras e técnicas de estilo, que este
escritor se destaca dos demais.
Passando boa parte da existência
mergulhada em uma esfera de intensos conflitos internos e na invenção de mundos, ele acaba sendo
visto no panorama social, como um ser diferente.
Provavelmente daí teve origem as
diferentes associações entre loucura e literatura. Tudo gravita em torno da
imaginação e da capacidade do homem de crer nas imagens que cria, traduzindo-as
em forma artística.
Mas, se por um lado a imaginação
aproxima loucura e literatura, a maneira de lidar com ela dissocia os dois
fenômenos.
Enquanto o louco apodera-se das
fantasias criadas por sua imaginação e age em consonância com a lógica desse
universo irreal que ele crê verdadeiro, o escritor constrói seres e mundos
ficcionais, aos quais também se abandona, alienando-se, momentaneamente, da
realidade circundante.
Essa necessidade de crer no
universo construído e guiar-se pelas regras de uma lógica ficcional é que
imprime à criação a condição da verossimilhança.
Assim, o momento da criação pode
ser considerado um estado de delírio. A louca no texto se traduz neste estado
como uma mãe a quem recorremos nos momentos especiais de mudança na vida, mas é
chamada de louca e que grita de olhos fechados.
De qual democracia falamos hoje
em nosso quotidiano: da democracia da eleição, a vivida ou a sonhada. O mais
importante é ler esse trabalho e que ele permaneça como uma referência
obrigatória de todos os homens e mulheres que sonham por uma vida melhor.
Apontar falha das autoridades, acusar os políticos pelos fracassos, ouvimos
isso diariamente pela mídia. Mas como se constrói a democracia? Professores e loucos seriam os responsáveis,
os únicos pela educação democrática, pelo fortalecimento das instituições, pelo
respeito às leis?
A mudança para o respeito às
instituições e uma cultura democrática está ligada a mudanças interiores, a uma
libertação, uma descolonização tão profunda, que só em pleno delírio se pode
responsabilizar os professores por uma mudança tão radical.
Os desafios do século XXI impõem
ousadias, criatividade e muita liberdade, que permitem a sociedades buscarem
seus caminhos.
Se para a democracia dependermos
do uso da força estaremos derrotados e distantes, o que vai, ou seja, pode
causar a lamentação.
A busca pela liberdade e pela
descolonização nos remete a buscar modelos que a Europa todos os dias nos envia
por meio do seu noticiário de crises. Se a Europa pode pouco nos apresentar
como referencial, o autor identifica na loucura a semelhança entre os
continentes na história de violência.
Buscar as raízes dos direitos
humanos no pensamento ocidental e transpô-lo mecanicamente para realidades de
jovens nações leva, ao mesmo, ao questionamento da violação dos direitos na
periferia das grandes metrópoles. Direitos humanos podem ser lidos como
princípios a serem perseguidos por todas as sociedades. Ratificar tratados é um
caminho, mas a educação pelos direitos humanos é um trabalho permanente dos
educadores e da população.
Não se pode avançar no debate
sobre direitos se continuar, de forma acrítica, o comportamento de sociedade
fechada aos loucos, oprimidos e sonhadores.
A questão da língua está muito
bem colocada pelo autor:
“Um povo que conhece e domina bem a sua língua, naturalmente vai lhe
proporcionar a grande vantagem a descobrir, conhecer e dominar também o mundo.
Guineense é a nossa língua da unidade nacional, de tal forma, deve ser
respeitada, estruturada, preservada, prestigiada, assim por diante”.
A você, leitor, esta obra é uma
contribuição importante para entender como os jovens intelectuais africanos
estão refletindo e projetando o futuro de suas nações.
Professor Dr. Ivair Augusto Alves
dos Santos
Coordenador do Centro de
Convivência Negra da UnB
aratum22@yahoo.com.br