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quarta-feira, 29 de junho de 2016

AS LÁGRIMAS DE UMA MULHER: os culpados.



 Inicio com uma recomendação: para ler esta segunda obra do escritor Marcelo Aratum é preciso substituir as imagens simplistas e unilaterais por uma representação complexa e múltipla.
     As realidades expressam-se em discursos diferentes, às vezes inconciliáveis, por isso precisamos abandonar as visões dicotômicas, do exagerado pessimismo, do ponto de vista central e único.
      O livro não fala de uma realidade, de um local específico, ele se ajusta as diversas realidades de países africanos, mas também de países das Américas. A obra está repleta de lugares simbólicos, que são ocupados de forma consciente, ou seja, por falta de experiências de jovens de diversos continentes.
  Todos vivem em um mundo hierarquizado, com poucas oportunidades e que as chances de sobrevivência estão diretamente relacionadas com a democracia e o respeito aos direitos humanos.
    “As lágrimas de uma mulher: os culpados” leva ao leitor a se perguntar, as questões colocadas são uma exigência de todos que sonham com um futuro promissor, sendo preciso mergulhar nas entranhas do inferno e identificar todos os medos e dúvidas em relação ao futuro.
   Não se trata de ser pessimista em relação ao presente, mas de saber que nos problemas colocados estão incluídos caminhos e respostas.
É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.
    Está sempre presente na obra a advertência ao leitor para não confundir pessimismo com o negativismo, pois o pessimista é crítico, irônico e perspicaz.
    Veja o trecho da obra de Aratum “Ora bem, a mudança está dentro de você. Primeiro você deve se mudar para depois ter a condição de mudar a Guiné Bissau. Nenhuma mudança acontece do lado externo, e nunca se ergue sem a luta. Todas as nações, cheias de luzes, ambientes saudáveis à vida também nascem historicamente por intermédio de uma luta bem inteligente.”.
     Marcelo Aratum engana quando é lido como realista, assim como engana quando é lido como conservador e até mesmo reacionário. Sua ironia, propriamente cética, complica sua recepção, uma vez que dificulta classificá-lo com qualquer rótulo estético ou ideológico – exatamente por isto, é a sua ironia e o seu ceticismo, juntamente com sua ironia e seu pessimismo combinados, que configuram a sua qualidade e o seu poder.
   A atividade de criação literária nutre-se essencialmente da imaginação, ficção e estilo. Através delas, são construídos, de forma arbitrária, seres irreais e, pelo encadeamento de situações fantasiosas, mundos ilusórios.
    No gesto de criação da obra, Aratum se coloca por inteiro, investe inteligência, desesperança, memória, sua visão de mundo e ainda as instâncias psíquicas fora do controle da razão. Entretanto, é pelo primado da imaginação e pela habilidade em exercitá-la artisticamente, através do jogo com as palavras e técnicas de estilo, que este escritor se destaca dos demais.
      Passando boa parte da existência mergulhada em uma esfera de intensos conflitos internos  e na invenção de mundos, ele acaba sendo visto no panorama social, como um ser diferente.
    Provavelmente daí teve origem as diferentes associações entre loucura e literatura. Tudo gravita em torno da imaginação e da capacidade do homem de crer nas imagens que cria, traduzindo-as em forma artística.
      Mas, se por um lado a imaginação aproxima loucura e literatura, a maneira de lidar com ela dissocia os dois fenômenos.
  Enquanto o louco apodera-se das fantasias criadas por sua imaginação e age em consonância com a lógica desse universo irreal que ele crê verdadeiro, o escritor constrói seres e mundos ficcionais, aos quais também se abandona, alienando-se, momentaneamente, da realidade circundante.
       Essa necessidade de crer no universo construído e guiar-se pelas regras de uma lógica ficcional é que imprime à criação a condição da verossimilhança.
         Assim, o momento da criação pode ser considerado um estado de delírio. A louca no texto se traduz neste estado como uma mãe a quem recorremos nos momentos especiais de mudança na vida, mas é chamada de louca e que grita de olhos fechados.
    De qual democracia falamos hoje em nosso quotidiano: da democracia da eleição, a vivida ou a sonhada. O mais importante é ler esse trabalho e que ele permaneça como uma referência obrigatória de todos os homens e mulheres que sonham por uma vida melhor. Apontar falha das autoridades, acusar os políticos pelos fracassos, ouvimos isso diariamente pela mídia. Mas como se constrói a democracia?  Professores e loucos seriam os responsáveis, os únicos pela educação democrática, pelo fortalecimento das instituições, pelo respeito às leis?
    A mudança para o respeito às instituições e uma cultura democrática está ligada a mudanças interiores, a uma libertação, uma descolonização tão profunda, que só em pleno delírio se pode responsabilizar os professores por uma mudança tão radical.
      Os desafios do século XXI impõem ousadias, criatividade e muita liberdade, que permitem a sociedades buscarem seus caminhos.
        Se para a democracia dependermos do uso da força estaremos derrotados e distantes, o que vai, ou seja, pode causar a lamentação.
     A busca pela liberdade e pela descolonização nos remete a buscar modelos que a Europa todos os dias nos envia por meio do seu noticiário de crises. Se a Europa pode pouco nos apresentar como referencial, o autor identifica na loucura a semelhança entre os continentes  na história de violência.
      Buscar as raízes dos direitos humanos no pensamento ocidental e transpô-lo mecanicamente para realidades de jovens nações leva, ao mesmo, ao questionamento da violação dos direitos na periferia das grandes metrópoles. Direitos humanos podem ser lidos como princípios a serem perseguidos por todas as sociedades. Ratificar tratados é um caminho, mas a educação pelos direitos humanos é um trabalho permanente dos educadores e da população.
     Não se pode avançar no debate sobre direitos se continuar, de forma acrítica, o comportamento de sociedade fechada aos loucos, oprimidos e sonhadores. 
       A questão da língua está muito bem colocada pelo autor:
Um povo que conhece e domina bem a sua língua, naturalmente vai lhe proporcionar a grande vantagem a descobrir, conhecer e dominar também o mundo. Guineense é a nossa língua da unidade nacional, de tal forma, deve ser respeitada, estruturada, preservada, prestigiada, assim por diante”.
     A você, leitor, esta obra é uma contribuição importante para entender como os jovens intelectuais africanos estão refletindo e projetando o futuro de suas nações.

Professor Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos
Coordenador do Centro de Convivência Negra da UnB

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